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Manfredo do Carmo, um entusiasta da matemática brasileira

Professor Manfredo do Carmo
(fonte: La Janela/APG IMPA)
Manfredo do Carmo é um dos mais importantes matemáticos brasileiros. Ele obteve seu título de doutor na Universidade da Califórnia, em Berkeley, sob orientação de S. S. Chern, em 1963. Seus livros sobre geometria diferencial, originalmente escritos em português ou inglês, já foram traduzidos para diferentes idiomas, incluindo espanhol, alemão, russo, grego e chinês. Aos 86 anos, ele continua a fazer importantes contribuições para a geometria, confirmando a cada oportunidade as palavras de Blaine Lawson, escritas um quarto de século atrás, no prefácio do livro Differential Geometry – A symposium in honour of Manfredo do Carmo: “(...) sua liderança intelectual e incansável devoção possibilitaram estar no Brasil uma das melhores e mais ativas escolas de geometria diferencial do mundo”.

Do Carmo concedeu a seguinte entrevista a Hilário Alencar, professor da Universidade Federal de Alagoas e membro da Academia Brasileira de Ciências:


Alencar: A União Internacional de Matemática (IMU, na sigla em inglês), fará um de seus congressos, realizados a cada quatro anos, no Brasil. O que o senhor pensa disso?

Do Carmo: Acho que é uma resposta natural ao extraordinário desenvolvimento da matemática no Brasil nas últimas seis décadas. Se nos perguntarmos quando isso começou, chegaremos provavelmente em 1957, ano do primeiro Colóquio Brasileiro de Matemática. Antes disso, tínhamos apenas um punhado de pessoas fazendo pesquisa em matemática no Brasil. Poucos anos mais tarde, em 1962, tínhamos cerca de 14 doutorandos no exterior e, em 1965, os Annals of Mathematics haviam publicado pelo menos quatro artigos de matemáticos brasileiros. Depois de 1957, os colóquios foram realizados a cada dois anos, e tiveram forte influência na maneira como a matemática era vista no Brasil. Cursos foram oferecidos a estudantes de todo o país, que agora podiam aspirar ser matemáticos profissionais. Ao longo dessas seis décadas, melhoramos nossa classificação na IMU, de I em 1957 para IV em 2005. A melhor classificação é V, atribuída a países como França, Alemanha, Estados Unidos, Rússia e poucos outros. Então, como mencionei, o ICM 2018 é uma consequência natural do nosso progresso na pesquisa em matemática.


Hoje temos uma visível comunidade de matemática no Brasil. Como isso aconteceu?

Em 1969, o Impa, com apoio do BNDES (um banco nacional para o desenvolvimento social), inaugurou um programa de doutorado cujos objetivos eram espalhar a pesquisa matemática de qualidade pelo Brasil e estimular a criação de uma literatura matemática avançada no país. Uma vez iniciado, o processo se acelerou rapidamente. Programas de doutorado foram criados e ampliados nas principais universidades brasileiras (São Paulo, Brasília, Recife, Rio de Janeiro etc.). Jovens doutores, formados nesses programas, retornariam a suas universidades originais e fariam pressão por melhores condições de trabalho, notadamente cargos full-time e uma forte associação de ensino e pesquisa universitária.


O que o fez dedicar-se totalmente à matemática?

Uma estadia no Impa, do início de 1959 a meados de 1960, a convite de meu amigo de infância, Elon Lima. Ele havia obtido recentemente um Ph.D em matemática na Universidade de Chicago. Naquela época, Mauricio Peixoto havia publicado seu artigo seminal sobre sistemas dinâmicos. No início de 1960, Steve Smale, convidado por Peixoto, veio visitar o Impa – foi quando ele encontrou a prova da Conjectura de Poincaré para dimensões maiores ou iguais a cinco.

Antes de 1959 eu já havia estudado alguns livros sugeridos por Elon, como Theory of Lie Groups, de Chevalley; Lie Groups and Differential Geometry, de Nomizu; e outros. Era um estudo solitário, bem lento, e cheio de problemas sem solução. Nas conversas com Elon, as perguntas desapareciam, e eu começava a me sentir mais confiante em meus estudos.

Peixoto e Lima frequentemente se reuniam para discutir questões em que estavam interessados. Quando eu estava presente nessas ocasiões, apenas ficava quieto, testemunhando encantado a criação de uma nova matemática. Este foi um ponto crucial na minha experiência, e decidi que, se possível, eu gostaria de ser um matemático. Nunca me arrependi dessa decisão.


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