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Memórias de dois gigantes da Matemática brasileira


Elon Lages Lima morreu em maio de 2016 e Welington de Melo em dezembro de 2016, respectivamente. Os dois foram figuras destacadas da Matemática brasileira. Suas trajetórias pessoais, embora muito diferentes, estavam entrelaçadas. O pioneirismo de matemáticos como Elon permitiu a Welington levar nossa pesquisa adiante. Este breve artigo resume suas vidas e principais contribuições à Matemática.


Elon Lages Lima (9 de julho de 1929 – 7 de março 2017)

O carismático Elon Lages Lima era um excelente contador de histórias. Na melhor delas, contava que Pelé, o rei do futebol, tinha sido seu segundo reserva. E demonstrava matematicamente sua afirmação. A “prova”, na verdade, era por transitividade... Na juventude, Elon jogara futebol em Alagoas e tivera como substituto em um time amador o conterrâneo Dida, que nos anos 1950 viria a se tornar um famoso jogador do Flamengo e da seleção brasileira campeã da Copa de 1958. Na Suécia, aos 17 anos, Pelé foi reserva de Dida. Por transitividade, portanto, Pelé foi segundo reserva de Elon!

O bem-humorado Elon Lages Lima nasceu em Maceió, no estado brasileiro de Alagoas. Quando pequeno, sua paixão era mesmo o futebol, mas um influente professor de ginásio conseguiu entusiasmá-lo pela Matemática, interesse que se tornaria sua profissão e seria mantido até o fim da vida.

O jovem Elon passou um breve período como estudante de graduação e professor de escolas em Fortaleza. Depois mudou-se para o Rio de Janeiro, onde completou a graduação na Universidade do Brasil. Chegou ao Rio a tempo de presenciar a fundação do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e de se tornar um de seus primeiros bolsistas. O ambiente de pesquisa matemática no Rio era incipiente. Com a bolsa do IMPA, Elon teve a oportunidade de interagir com Maurício Peixoto e Leopoldo Nachbin, os dois primeiros brasileiros a serem palestrantes convidados no ICM.

Na década de 1950, o alagoano foi para a Universidade de Chicago fazer doutorado, que concluiu em 1958, sob a orientação de Edwin Spanier. Sua tese ainda hoje tem relevância em Topologia Algébrica. Também teve outros períodos produtivos em pesquisa nos Estados Unidos nos anos 60. No entanto só teve posições permanentes no Brasil. De fato, depois de um breve período na Universidade de Brasília – da qual se demitiu um ano após o golpe de 64 – e afora visitas a outras instituições, passou o restante da carreira no IMPA.

Elon ficou conhecido especialmente como professor e autor de livros-texto. Em classe, era um expositor elegante e entusiasmado, que combinava rigor com intuição geométrica. As mesmas qualidades transpareciam na escrita: com 41 livros, é o mais influente autor em Matemática da língua portuguesa. Também foi um mentor para alguns jovens brilhantes, entre os quais Carlos Gustavo Moreira (plenarista do ICM 2018) e Artur Avila (vencedor da Medalha Fields em 2014).

O matemático do IMPA também esteve envolvido com muitas outras atividades importantes. Organizou uma das primeiras edições do Colóquio Brasileiro de Matemática e presidiu a Sociedade Brasileira de Matemática por um mandato. Dirigiu o IMPA em três ocasiões; ajudou a dar forma à biblioteca – uma das melhores do mundo na área; e criou duas séries de livros. Elon também concebeu o PAPMEM, programa de aperfeiçoamento para professores do ensino médio que já treinou mais de 30 mil profissionais.


Welington de Melo (17 de novembro de 1946 – 21 de dezembro de 2016)

Welington de Melo era um apaixonado pelo mar e pelos barcos a vela. Em 1987, resolveu fazer uma longa travessia de veleiro. Foi acompanhado de dois célebres matemáticos internacionais: o medalhista Fields Stephen Smale e o professor de Berkeley Charles C. Pugh. O trio partiu no barco a vela da Califórnia e, três meses depois, chegou às Ilhas Marquesas, selvagem arquipélago na Polinésia Francesa. Welington passava a maior parte do tempo livre em uma casa de praia em Angra dos Reis, onde mantinha seu veleiro. Em uma entrevista, brincou que quando velejava na Baía de Angra tentava sempre fazer um trajeto “topologicamente não trivial”: ou seja, dava uma volta ao redor das ilhas da baía com número de rotação não-trivial.

O matemático nasceu em Guapé, em Minas Gerais, e se formou na escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Chegou a cogitar uma carreira acadêmica em Física, mas encontrou sua verdadeira vocação numa edição do Colóquio Brasileiro de Matemática, após fazer um curso com Elon Lages Lima. O então diretor do IMPA o convidou para cursar mestrado no Rio.

Welington chegou ao IMPA em 1970. O ambiente matemático do instituto já era bem diferente do que Elon encontrara 20 anos antes. Jacob Palis – que por indicação de Elon fizera doutorado com Smale em Berkeley – passou a orientar Welington, que se graduou em 1972. Em seguida, foi fazer um estágio de pós-doutoramento com Smale. Surgia uma amizade para a vida toda. Durante o doutorado, Welington viajou com frequência a Minas Gerais para dar aulas e ajudar a criar um programa de mestrado em Matemática na UFMG.

Com o tempo, sua pesquisa passou a se concentrar em Sistemas Dinâmicos unidimensionais. Tornou-se um dos líderes mundiais desta área, na qual escreveu artigos seminais com Edson de Faria, Alberto Pinto, Sebastian van Strien e outros. Por estas realizações, foi convidado a dar palestra no ICM em 1998 e recebeu muitas outras honras. Welington também escreveu textos expositórios influentes: um livro-texto com Palis e monografias mais avançadas com van Strien e de Faria.

Welington é lembrado por alunos e colegas como um professor e colaborador exigente e fascinante, que sempre buscava os objetivos mais elevados. Em certas ocasiões, isso o levava a dedicar muito tempo a compreender, ou até mesmo a consertar, as demonstrações de outros matemáticos. Sua lista de orientandos está adequada a seu temperamento: não é longa, mas é extremamente forte. Artur Ávila, ganhador da Medalha Fields em 2014, é o mais conhecido nome.

Welington morreu pouco mais de um mês depois de uma conferência em homenagem aos seus 70 anos. Em seu festschrift de 60 anos (*), seus ex-alunos observaram que ele frequentemente não detalhava certas etapas de demonstrações, chamando-as de “triviais”. No coquetel do evento, Welington perguntou a um ex-orientando se realmente dizia tantas vezes a palavra “trivial”. Ao ouvir a resposta positiva, comentou: “Vocês têm de entender que ‘trivial’ não quer dizer que é fácil, quer dizer que não é importante!”

(*) Episódio relatado por Daniel Smania, ex-aluno de doutorado de Welington. Agradecemos a Daniel por ter permitido que usássemos esta história.


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